Os Estados Unidos estão acusando o Brasil de protecionismo. Foi o que revelou uma dura carta enviada na semana passada pelo representante comercial dos Estados Unidos, Ron Kirk, ao ministro de Relações Exteriores do Brasil, Antonio Patriota.
Segue alguns trechos do documento:
- “Escrevo para expressar em termos fortes e claros a preocupação dos Estados Unidos com os aumentos de tarifas de importação propostos e programados no Brasil e no Mercosul”.
- “O aumento de tarifas no Brasil vai restringir significativamente o comércio em comparação aos níveis atuais e representa claramente uma medida protecionista.”.
- “As ações do Brasil prejudicam seus parceiros comerciais na região e no mundo. Historicamente, esse tipo de ação leva os parceiros a responder da mesma maneira, o que amplifica o impacto negativo”.
- “Peço ao Brasil para reconsiderar a implementação de novos aumentos de tarifa e para desistir daqueles que já foram aplicados”.
Kirk se refere aos aumentos de tarifas de importação promovidos pelo governo Dilma Rousseff. No início do mês, o Brasil elevou as alíquotas cobradas de 100 produtos e anunciou que prepara uma lista de mais 100. São poucos itens em um universo de 10 mil posições tarifárias, mas representam produtos importantes, como aço e resinas plásticas, insumos para diferentes cadeias produtivas.
A ABRACOMEX entrevistou 3 de nossos especialistas em Comércio Exterior que deram sua opnião sobre o assunto:
Carlos Araújo
• Professor Universitário. Editor do blog comexblog.com.
• Especialista em Logística e Comércio Internacional.
Germano Gehrke
• Professor de Comércio Exterior Furb (Blumenau) e Unidavi (Rio do Sul)
Paulo Melo
• Mestre em negócios internacionais pela Universidade de Bristol, Inglaterra.
• Professor universitário, palestrante e consultor.
• Sócio-Diretor da R&M Treinamento Ltda em São Paulo.
• Mestre em negócios internacionais pela Universidade de Bristol, Inglaterra.
• Professor universitário, palestrante e consultor.
• Sócio-Diretor da R&M Treinamento Ltda em São Paulo.
ABRACOMEX - O que acha sobre a acusação dos USA contra o Brasil de ter práticas protecionistas?
Carlos Araujo: Ambos os lados possuem telhado de vidro, já que os EUA inundaram o mercado com dinheiro barato para aquecer a sua economia, e isso fez o dólar se desvalorizar perante outras moedas e aumentará as suas exportações. Ainda assim, os EUA subsidiam pesadamente a sua agricultura. Do lado de cá, o Brasil é altamente protecionista, e não é de agora.
Brasil e Estados Unidos estão apenas jogando para a plateia.
Germano Gehrke: Sobre a acusação dos Estados Unidos de que o Brasil teria adotado recentemente práticas protecionistas, cabe primeiramente uma análise dos 100 produtos incluídos na decisão brasileira de aumentar impostos de importação. Nem todo o aumento de imposto de importação é questionado ou considerado como medida protecionista. No passado, o Brasil aumentou o imposto de importação para produtos originários da China em função de um aumento expressivo e pouco usual das importações brasileiras daquele país. Há pouco mais de 3 anos, por exemplo, o imposto de importação de confecções originárias da China passou de 20% para 35%, sem que houvesse maiores repercussões.
Concretamente em relação à lista dos 100 produtos que tiveram acréscimo no imposto de importação e que originou a reclamação dos Estados Unidos, ao tomarmos o primeiro produto listado, Batatas Congeladas (NCM 2004.1000), cujo imposto de importação passou de 14% para 25%, nota-se uma tendência de queda nas importações ao compararmos os primeiros oito meses deste ano (US$ 118 milhões) com o mesmo período de 2011 (US$ 134 milhões). Este dado, isoladamente, não justificaria o aumento do imposto de importação sobre este produto. Além disso, cabe notar que a Argentina foi o maior fornecedor de batatas congeladas para o Brasil nos primeiros 8 meses de 2012, responsável por mais de 50% do volume que importamos, um resultado alinhado com nossa política de apoio ao Mercosul. Por último, cabe questionar as razões pelas quais o Brasil importa batatas congeladas? Com a inequívoca vocação que temos para a produção e exportação de produtos agrícolas e derivados, por que não seríamos competentes na produção destas batatas?
Paulo Melo: O Brasil de fato tem práticas claramente protecionistas; mas não vejo uma guerra cambial dos EUA contra o Brasil; apenas os EUA estão tomando decisões de política econômica interna para alavancar sua economia, que infelizmente atingem países despreparados como o Brasil e que dependem de fatores externos favoráveis para manter seu saldo na balança comercial.
A grande guerra cambial não parece ser com os EUA, mas sim com a China, que claramente manipula sua taxa de câmbio para favorecer suas exportações.
Na verdade, este fato está sendo utilizado como pano de fundo para justificar o mau desempenho do nosso comércio exterior, altamente dependente de commodities. De novo, o Brasil continua insistindo em parcerias com países que, estes sim, estão em "guerra comercial" declarada com o Brasil como é o caso da Argentina. Estamos mirando no "inimigo" errado.
O Brasil é um país emergente que precisa de ajuda dos países ricos, mas não aceita criticas e nem aguenta a pressão de um jogo de "gente grande".
O Brasil devia fazer seu dever de casa: reduzir o chamado "custo Brasil" e resolver suas ineficiências crônicas para se tornar um país mais competitivo.
ABRACOMEX- Quais os reflexos para o comércio exterior brasileiro com uma suposta guerra cambial praticada pelo USA e Europa?
Carlos Araujo: Os Estados Unidos acusam o Brasil de ser protecionista, mas se recusam a discutir a questão cambial. Eles também distorcem o comércio. Com uma desvalorização cambial, os EUA oferecem um subsídio direto para as suas exportações, e em conjunto fortalecem as suas tarifas de importação. Do lado de cá, as tarifas de importação podem perder a eficácia com a valorização cambial recente.
Isso pode comprometer o comércio bilateral entre Brasil e EUA. Já para a Europa, vai depender do comportamento do Euro nos próximos meses.
Germano Gehrke: As políticas adotadas pelos Estados Unidos e Europa de facilitação de acesso ao capital (quantitative easing) têm por objetivo principal criar condições mais favoráveis para o crescimento econômico. Há, entretanto, efeitos colaterais ou menores, à medida que parte deste dinheiro facilmente disponível acaba sendo atraído por países que remuneram o capital com juros mais altos que os praticados no país de origem. Ainda assim, as resultantes desvalorizações das moedas dos países que praticam estas políticas acabam por tornar seus produtos mais competitivos. Para países que sofrem com estas medidas, como é o caso do Brasil, resta reconhecer que são medidas essencialmente voltadas para tornar o ambiente mais favorável ao crescimento da economia em sua origem e que traz como consequência o aumento de competitividade dos produtos destes países através da desvalorização da sua moeda. Cabe ao Brasil adotar mecanismos que evitem a valorização de nossa moeda, tal como a redução dos juros (que ainda estão muito altos) ou mesmo a imposição de impostos sobre capital estrangeiro especulativo, que já foi adotada no passado.
Paulo Melo: O Brasil depende mais dos EUA do que os EUA do Brasil. Este "jogo" não é equilibrado; assim, não nos interessaria uma "guerra comercial" com um dos nossos principais mercados consumidores de produtos brasileiros. A solução dos problemas econômicos internos americanos, ajudaria mais o Brasil do que ficar trocando acusações de quem é mais ou menos protecionista.
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